31 de agosto de 2010

Ego sum qui sum


Tu que me vês daí, aqui sentado sobre a esbatida, húmida e dura areia, molhado, torrefeito pelo teu Sol. Contemplo-te sem perguntas porque não as há, não as pode haver: no-las deste sem a hipótese de no-las responder. Há perguntas. Mas uma pergunta só é válida quando a resposta não é de natureza írrita, impossível. 

Existes na minha cabeça porque te penso. Eu existo como se me tivesses pensado. Porém parece-me que não te sei como tu a mim. Contudo ainda, imagino que me dizes: «Tens-me frente aos olhos e insistes em não me ver.»

Entendo-te sem te compreender (se bem que às vezes te compreenda mas te não entenda). Mas eu percebo que não me possas falar. Eu percebo que não hajas o que dizer. Também eu não falo contigo mas Comigo sobre ti. 

Tu — és um mágico que me encanta, e não és senão o Encanto que desse mágico emana.

21 de agosto de 2010

(s/ título)


Caminhava pelo passeio que beirava uma estrada preta e onde, sentado no lancil, um pequeno chorava.

«Por que choras?» 
Olhou-me rosto molhado. 
«Por causa da confusão.» 
«Que confusão?» 
«Se a pudesse dizer não era confusão.» 
Continuou a verter lágrimas e eu prossegui passeio fora. 

(Há que saber abandonar).

11 de agosto de 2010

Sou de facto o Diabo


Sou o eterno Diferente, o eterno Adiado, o Supérfluo do Abismo. Fiquei fora da Criação. Sou o Deus dos mundos que foram antes do Mundo - os reis de Edom que reinaram mal antes de Israel. A minha presença neste universo é a de quem não foi convidado. Trago comigo memórias de coisas que não chegaram a ser mas que estiveram para ser.


A Hora do Diabo, F. Pessoa, Assírio & Alvim