23 de outubro de 2011

Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa


Uma publicação Saída de Emergência
Esta obra trata-se de uma antologia de treze contos de vários autores, entre os quais me encontro com o título O Inconsciente. 

A editora Saída de Emergência lançou um concurso de contos em inícios de 2009, dentro do género literário da pulp fiction, ao qual concorri. Soube, por volta de Outubro do mesmo ano, que o meu conto tinha sido seleccionado para integrar o projecto. Encontrava-me em Hamburgo há já um mês, e onde permaneceria por mais dois, sozinho mas contente, pelo que o fiquei mais ainda. A notícia era sinónimo de que um texto meu ia ser, pela primeira vez, publicado em livro. Entretanto passaram-se cerca de dois anos sem que o projecto fosse levado avante, com muita pena de todos os envolvidos. A 21 de Outubro de 2011, a Antologia vê finalmente a luz do dia. 

As Origens d' «O Inconsciente». O meu conto foi primeiramente submetido a um outro concurso de contos, criado pelo festival de cinema de terror Motelx, de 2007, um concurso igualmente consagrado ao género do terror. Aliás, foi precisamente devido a este concurso que decidi escrever o conto. Já há alguns anos, quando me propus prosseguir com a criação literária (abandonado o verso, dava lugar à prosa), decidi que haveria de tentar as várias áreas e géneros literários (desde que, claro, o achasse plausível dentro do meu registo e interesse). Um exercício a que, na altura, chamei de «poligrafia»: através da literatura infantil, juvenil e adulta, deste género ou daquele, exploraria, ao meu estilo, temas de interesse pessoal. Sem compromissos, porém. Projectos tenho-os, em desenvolvimento, mas é este conto o primeiro a sair em formato físico. O Inconsciente foi criado já dentro daquela intenção poligráfica que menciono acima. Quis pôr-me à prova, enquanto potencial escritor, dentro de um género que não era o meu. Talvez por isso o resultado não tenha estado à altura: O Inconsciente não é um conto de terror. A narrativa acaba antes por revelar que o «terror» tem outra face que não a do «monstro-protagonista» (que nem sequer é monstro!) da história. Talvez também porque, por si só, o género do terror não fazia, nem faz, parte dos meus objectivos literários. O ambiente, e o sangue, talvez provoquem um certo horror, ou inquietação, como o disse um amigo meu, o Gonçalo Neto, designação que também eu prefiro, pois que, tal como eu e um outro meu amigo, o Frederico Correia, concluímos, existem cenas cuja violência é razoavelmente gráfica. Mas a minha intenção é que o sangue derramado seja, aos olhos do leitor, justo (dentro do seu contexto)... Se em parte falhei no exercício a que me propus (o da poligrafia), foi, contudo, uma falha bem-vinda, não só por ter sido seleccionado para a Antologia que aqui divulgo mas porque o resultado do que escrevi me agradou. Constatei que jamais poderei escrever o que quer que seja sem que nisso me reveja; que jamais poderia criar para responder simplesmente a um género ou, ainda menos, para agradar a um público. Acabei então por escrever sobre algo que é do meu interesse e que, em vez de assustar (se bem que o terror possa muito bem ser mais do que isso), convida a reflectir sobre a mentalidade humana que, a meu ver, se encontra ainda cheia dos vícios e dos medos herdados de uma estrutura mental entrevada, preconceituosa, que, nesta ficção, faço encarnar em monges, o que muito se deve, naturalmente, ao papel não menos mau que a Igreja desempenhou ao longo da História, e também que desses vícios de percepção podem resultar consequências graves... O conto trata-se, então, de uma espécie de alegoria, que remete para pontos como a cegueira do dogma e da crença, e como ambas as categorias podem castrar a liberdade e o potencial humano. O terror do preconceito ainda existe, difundido pelo mundo como um legado peçonhento, como uma praga que persiste: é essa a preocupação que subjaz à intenção moral do texto. Assim, a narrativa vela antes, aos meus olhos, por componentes tácitas de cariz reflexivo, com a devida literatura em volta a enfeitar, cujo ambiente, felizmente, parece enquadrar-se nos parâmetros da Antologia para que fui seleccionado. De resto, a minha ligação com a literatura pulp passa apenas por três traduções que fiz de três contos de H. P. Lovecraft (Ed. Saída de Emergência, vols. I e II) e por umas leituras de BDs de Conan, o Bárbaro.

O título do conto: uma perspectiva analítica. O título, «O Inconsciente», é o nome que o protagonista adquire na história. Foi escolhido como jogo de palavras, ou metáfora, para o inconsciente recalcado que a Psicanálise nos deu a conhecer, isto é, o espaço mental onde se desconhecem os factos por se encontrarem toldados. O protagonista habita um subterrâneo, onde se encontra fechado, anestesiado, à margem do real. O subterrâneo e o protagonista interagem, então, como um só, sendo este um produto daquele e aquele a realidade que este assimila sem questionar. O Inconsciente é a criatura cuja existência é submetida à clausura pelo Consciente repressor, que no conto adquire a forma de monges soturnos que impõem ao Inconsciente o «recalcamento». Os monges representam a censura, o preconceito, essa força maior contra a qual, mais tarde, o protagonista se rebela, e de uma forma comportamentalmente desastrosa, resultado daquilo que foi reprimido à força e mantido num estado de latência anormal vindo depois à tona. Como tudo o que foi já profundamente lesado e não é possível reparar, há um inevitável retorno ao «recalcamento» por parte do protagonista... Em suma, o que se quer dizer com isto? Quer-se dizer simplesmente que o melhor é abdicar de imposições, caso contrário as consequência poderão revelar-se graves.

O Inconsciente levou 24 dias a ser escrito, segundo me lembro. É, para mim, pouco tempo, que preciso dele para escrever e ajeitar o texto, intervalar e voltar a ele. Mas por acaso a caneta fluiu (por acaso até foi escrito ao computador). Talvez a tensão imposta por um prazo tenha tido influência. Quando descobri o concurso do Motelx, 24 dias era o tempo que restava para as submissões. Comecei então a escrevê-lo. Diante do ecrã, surgiu-me a frase: «Do esgar quadrado da sua boca aberta vertia, crispado em degraus de som cadente, o riso evidente da demência danosa.» Serviu-me de mote para prosseguir. Claro que, posteriormente, mesmo depois de saber que não tinha sido seleccionado, lhe fiz vários melhoramentos. E quando soube que ia ser publicado na Antologia pulp, mais ainda. Todavia o texto foi apenas mexido a nível de pormenores estilísticos, mais uma frase ou pequena ideia extra. A história e seu intuito permaneceram intactos. A Antologia consiste ainda, em termos gerais, num outro aspecto que lhe oferece interesse extra: cada autor tem uma biografia fictícia. Passo a explicar. A pulp fiction é um género literário que remonta a 1896, difundido no formato de revista nos EUA, inicialmente, e que, julgo não estar longe da verdade, atinge maior expressão estilística e temática com Arthur Conan Doyle (Sherlock Holmes), H. P. Lovecraft (The Call of Cthulhu) e Robert E. Howard (Conan, The Barbarian), lá por volta das décadas de 20 e 30 do século passado. Fica aqui uma ideia para os menos entendidos no género, como eu. Mas existem mais autores que conheço e que não sabia fazerem parte deste género, que é bem mais abrangente do que eu imaginava. Um pouco à guisa do género da Ficção Científica, que também é mais do que aparenta. Portanto, esta Antologia ficcionada consiste em fazer de nós, autores, pessoas que teriam existido entre as décadas de 20 e 70 do século XX, em Portugal, reinventando assim um género que nunca àquele tempo existira no país. Na minha pseudo-biografia (que na obra precede o conto), morri com trinta e um anos e vi, enquanto ainda gaiato, Sidónio Pais a ser assassinado. Não me lembro de nada! Devia ser do álcool que, quando já adulto, bebia: segundo também o meu biógrafo, eu era muito dado à noite. Toda esta conjuntura ficou a cargo do organizador do projecto, o Luís Filipe Silva, que abre o livro com uma introdução que tratará de pôr o leitor a par deste curioso entremez. 

As ilustrações. Não podia deixar de falar nisto. Quando me foram apresentadas as ilustrações que acompanhariam o meu conto, fiquei estupefacto. Estavam bem-feitas, muito interessantes até. Mas não tinha sido isso a causa da minha estupefacção. O que assim me deixara, fora o facto de não ilustrarem, senão por meio de referências vagas, a história que eu escrevera. Havia um grande exagero naquelas imagens, comparativamente ao texto. Foi-me depois explicado que, de alguma forma, também assim o havia sido lá nos idos tempos de sucesso da pulp fiction, e que, se era para fazer uma versão dos anos de ouro da pulp que Portugal não teve, seria preciso situar o projecto, também no que tocava às ilustrações, no contexto abordado. Por isso, para quem se deparar com esse desfasamento, fica já preparado. Aperceber-se-ão que as personagens ilustradas nada têm que ver com nada. É como se fossem ilustrações de outro conto qualquer e estivessem ali ao engano... Mas o fundamento é que este é um projecto com tema, e que segue esse tema. Pretende recriar algo num registo tal e qual existia na pulp de há cerca de oitenta/noventa anos e, com base nisso, fac-similar os anos de ouro de um género que nunca teve expressão no nosso país. E assim se fez. Os autores pulp faziam os seus textos ser acompanhados de ilustrações que muitas vezes compravam já feitas, quando não tinham quem lhas fizesse, cujo resultado, nem sempre o melhor, é também o que esta Antologia pretende recuperar.

Bem, e agora é ler!

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Este conto dedico-o, aqui, ao Gonçalo Neto e ao Frederico Correia, que a ele estiveram de alguma forma ligados aquando da sua criação.

2 comentários:

Iacobus disse...

P.S.: Deixo aqui um link com um generoso excerto do livro:
http://www.saidadeemergencia.com/uploads/books/samples/098_Pulp_Fiction.pdf

Iacobus disse...

Novo artigo no jornal SOL:

http://sol.sapo.pt/inicio/Cultura/Interior.aspx?content_id=36538#.Tu5wFA6bbpc.facebook